quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Crônica de Washington Olivetto

 Já faz algum tempo que queria publicar esta crônica de Washington Olivetto, cujo titulo é “Bobos (Bourgeois Bohemians)” publicada na revista República em maio de 2002, e republicado no livro "Os piores textos de Washington Olivetto, que acabo de ler. A crônica é maravilhosa e continua bem atual. Dá vontade de presentear algumas pessoas em especial. Mas gastaria meu tempo, papel e um texto maravilhoso com pessoas fúteis que não entenderão ou que podem entender e até se enxergar, mas  vão fazer que não são com elas, porque claro, elas são “quase”. Mesmo assim gostaria de fazer uma dedicatória antes de colocar a crônica.

Dedicatória:

Aos fúteis
Aos que pensam que falar mal de Belém é tudo.
Aos que pesam que o Rio de Janeiro é a primeira maravilha do mundo.
Aos que traem seus namorados, mas exigem fidelidade.
Aos que copiam e colam mensagens nas redes sociais, se passando por suas.
Aos que usam frase de efeito e não sabem nem o que tão dizendo.
Aos que preferem a imagem e a representação ao realismo concreto e natural. 


Bobos (Bourgeois Bohemians)

Washington Olivetto
O acelerado processo de carnedevacalização da sociedade mundial, também conhecido como globalização do zemaneísmo, fez com que, em vez de famosos por 15 minutos, conforme o previsto, muitos chegassem ao novo milênio vulgares e deslumbrados por várias horas, provocando o surgimento de um novo personagem no cenário social: o Quase.
O Quase pode ser homem, pode ser mulher, pode ser veado, pode ser sapatão, não importa. O que importa é que o Quase é quase sempre: quase inteligente, ou quase rico, ou quase culto, ou quase bonito, ou quase informado e até muitas vezes quase tudo isso simultaneamente, o que evidentemente dificulta a sua identificação imediata. Resultado: a qualquer momento você pode se aproximar de um Quase ou um Quase pode se aproximar de você. Em ambos os casos, o risco que você corre com esse contato aparentemente inofensivo é o de, em pouco tempo, ficar quase Quase. Mas existem maneiras de identificar um Quase. Aqui vão algumas delas.
O Quase tem os CDs da Marisa Monte, mas não tem Jussara Silveira, Baden Powell, Zeca Pagodinho e Batatinha.
O Quase admira o Sebastião Salgado, mas nunca ouviu falar em Miguel Rio Branco e Jacques-Henri Lartigue.
O Quase viu Bobby Short, mas não viu Bárbara Carroll e Roberto Murolo.
O Quase considera Botero um grande artista, mas desconhece Jean Arp e Mestre Didi.
O Quase está louco pra visitar o Guggenheim Bilbao, mas jamais pisou no MAC de Niterói e no Dia Center.
O Quase nunca comeu o bolinho de aipim com camarão do Bracarense, a coxinha de frango do Frangó e a empadinha do Salete.
O Quase adora restaurantes quase asiáticos e achou o AZ de Nova York o máximo.
O Quase, aliás, ama Nova York, se hospedava em Uptown, mas acaba de descobrir o SoHo e o TriBeCalogo agora que o pessoal está se mandando para o Meatpacking District e para o Chelsea.
O Quase acha bacana aquela playboyzada italiana e francesa que vive no Tre Merli e no Cipriani Downtown falando no celular e fazendo graça prumas modelinhos.
O Quase não sabe que essa galera é conhecida como Eurotrash.
O Quase viu "Matrix" e "Beleza Americana", mas perdeu "O Jantar", do Ettore Scola.
O Quase brasileiro usa muitas expressões em inglês, assim como o Quase americano usa algumas em francês.
O Quase veste Ermenegildo Zegna e Paul Smith, não se identifica com Comme des Garçons, Hering e Yamamoto.
O Quase veado veste Prada e Dolce & Gabbana, mas os mais tradicionais preferem Brooks Brothers. O Quase sapatão veste Brooks Brothers, mas os mais tradicionais preferem Prada e Dolce & Gabbana.
O Quase mulher tem óculos Chanel, Versace, Armani, Gucci, Dior e Gaultier, o que não significa excesso de variedade, é apenas falta de estilo. Alguém já viu fotos da Greta Garbo ou da Jacqueline Kennedy em que elas apareçam cada vez com óculos diferentes?
O Quase desfila em escola de samba, mas não freqüenta ensaios nem sabe a letra do enredo. Aquelas notas nove e meio que derrubam a escola normalmente acontecem por causa de um grupo de Quases reunidos na mesma ala.
O Quase admira o Bill Gates, não liga muito pro Steve Jobs.
O Quase estava com uma porção de idéias geniais de negócios na Internet, mas agora desanimou um pouco.
O Quase sabe direitinho de que fruta tem gosto o Beaujolais Nouveau deste ano. O Quase acha que Beaujolais Nouveau é vinho.
O Quase assina a revista Wallpaper, mas nunca ouviu falar da revista Joaquim.
O Quase leu Alain de Botton, mas não leu Machado de Assis.
O Quase comprou o Golden Peanuts, do Charles Schulz, mas não comprou a nova biografia do Groucho Marx, escrita pelo Stefan Kanfer.
O Quase acha bacana esses bufês de festa que servem coisas tipo pedacinhos de camarão e cenouras nas lasquinhas de aço escovado e blindex com pitadinhas de gengibre ao poivre.
O Quase conta para você quem ele comeu ontem à noite.
O Quase conta para as revistas quem ele comeu ontem à noite.
O Quase mulher confirma para as revistas.
O Quase é a favor do politicamente correto.
O Quase está precisando ler urgentemente Bobos in Paradise, do David Brooks.

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